Seu Guerino da Mulada

“Cada pago com sua praga”, diz que dizia o Buiú, “mas tem praga que dá por tudo”.

Uma é a leitura, que descaminha neurônios, promove despencamento de pálpebras e aviltamento da vista. 

Outra é a nostalgia, que cava chagas nos peitos mais capacitados, racha diques nos olhos mais brilhosos e estoura, tal qual taquaral que alguém foi lá tacar fogo pra espantar cruzeira.

Pois é o que explica que também no Rio Grande houve um engenhoso leitor, leal e tebano que nem o Sepé, auto-aumentador que nem o Blau Nunes, socarrão que nem o Finado Trançudo, falquejado na minguante que nem Os Quatro Troncos Missioneiros, e a quem o alto pajador de São Luís definiu como “puro cerno de araucária”.

Evidente, estamos falando do principal, do jamais como se deve e nunca por demais alabado Seu Gervásio, ou Seu Guerino da Mulada, flor e pulgão do nativismo serrano, que leu mais de trezentos contos gauchescos e ainda três mil e tantos poemas, e sabe-se lá quantos causos mais ele os teve bem escutados e bem decorados naquele seu porongo crioulo. 

E foi por muito ler e pouco escrever, e certamente por preferir falar de todas aquelas pedras do passado, temperando as palavras com a cal das lágrimas e a saliva de uma criação macambúzia que, num dia desses de cerração e nhaca, ele decidiu se armar gaúcho guerreiro e percorrer o que a ele lhe parecia não um estado pertencente ao Brasil, como a dura realidade lhe tentava moldar os miolos todos os dias, tampouco uma província da Pátria Pétrea, mas sim uma república independente: a Rio-Grandense, governada pelo General Netto, aquele que Seu Guerino da Mulada considerava um prócer mais liberal do que o mesmo Tocaio Artigas. 

E tão imitão das tradições literárias e gaúchas era esse Seu Guerino que arrumou pra sim um cupincha, que se chamava Buiú: um chapa changador desses até hoje muito úteis em municípios à beira do colapso de movimentadas estradas de rodagem, no continente que chamam América do Sul. 

E tão correspondente à ilusão aventureira era esse Seu Guerino da Mulada que também elegeu para si uma donzela que fosse dona de seus pensamentos, que não podia deixar de ser a mui discreta, a sem par Dioneia da Jaquirana, por quem Seu Guerino passava noites inteiras tiritando à beira de banhados, que eram…

E aqui acaba abruptamente esta primeira parte da pontual história desse inaceitável herói, sem que sequer saibamos o nome do seu pingo. Mas o autor que assina, um tal Sidnei, ou simplesmente Sid, prometeu que vai nos mandar os demais pergaminhos por e-mail, em que há de constar alguma aventura.

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