Um lagarto no bairro

Às 11 horas do dia 15 de janeiro, um homem calvo de talvez quarenta anos saiu correndo pela porta dizendo “mira, mira!” – e era um lagarto, o ser a ser mirado.

Atrás dele saiu um guri de talvez dez, também vestindo uma regata branca, e dizia algo como “bamo, bamo”, com sotaque venezuelano.

Uma guria um pouco menor, com vestido amarelo, soltava gritinhos ao descer as escadas pra acompanhar o rumo do pai e do irmão. 

Atrás desse trio veio a mãe, de camiseta rosa, descendo as escadas mais devagar, com um riso que dava pra ver a duzentos metros de distância. 

Em seguida, saíram da casa mais quatro moças, com camisetas entre o roxo e o lilás. Pararam nas grades da sacada.

Quando esta reportagem já tinha perdido a expectativa de que saíssem mais personagens da residência, eis que surge a matriarca, de vestido florido. As jovens lhe abriram vaga na sacada. Uma apontou com o dedo: um lagarto.

O telhado impedia a visão do cenário completo, mas conseguimos compor a cena por meio das risadas que as mulheres soltavam. O guri de dez anos deve ter inventado algum jogo com o bicho na rua, pois o grupo na sacada ia e vinha pra lá e pra cá, como plateia de tênis que torce pra bolinha.

O pai em certo momento disse “no”. A mãe repetiu a palavra, com exclamação. O sol refletiu em uma janela e cegou este repórter por alguns instantes. Quando foi possível enxergar novamente, já não havia ninguém na sacada, apenas uma cúmbia que dizia dentro de tidentro de ti

Deve ter a ver com Porto Alegre. Uma família de venezuelanos que celebra o aparecimento de um lagarto está dentro da cidade de um jeito que este repórter, incapaz de fazer alvoroço por algo tão bonito, nunca entenderá.

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