Quem vai pras Missões deve estar preparado pra receber em cheio aquele mormaço moral: missões. Não bastasse uma! Não existe passeio pras Missões. Ir pra lá se torna sempre uma etapa dum projeto, um encargo.
Nas Missões a gente não visita um cemitério pra lembrar de quem todo mundo é capaz de lembrar (um Baudelaire, digamos). Nas Missões a gente adentra uma tumba interminável de figuras jamais excessivamente lembradas: Sepé, Maicá, Guarany, todos os indígenas. Nas Missões a gente não visita impunemente a casa dum poeta. A gente vai na casa do Apparicio Silva Rillo e sente logo a responsabilidade de escrever uma biografia sobre ele, de organizar a obra completa, de ser também poeta.
“Rota das origens”, diz uma placa na estrada. Devia conter o aviso: cuidado! É um caminho de só retorno. Uma milonga interminável sobre o fim. Um eu lírico peão com consciência de classe aspirando a uma revolução que tu, vindo do futuro, sabe que não ocorreu e jamais vai ocorrer.
O Canto aos sete povos é muito honesto quando avisa: “Quem bebe das águas do rio Uruguai não te esquece mais.” Então cuidado! É um retorno às tuas próprias memórias. Encontrarás parentes, te sentirás na casa da tua tia. Tanto tupperware! Tanto tapetinho bordado, tapete em torno da cama, na frente da pia, tapete até na tampa do vaso sanitário e sobre a geladeira, salpicada de ímãs com imagens de prendinhas e bebês que completaram um ano em 1984.
“Tem a mulher que faz lã”, disse dona Fátima Jesualda, quando elencava as atrações turísticas de São Miguel. “Ela tem a máquina e tudo”.
A costureira – tua tia de roupão, toalha na cabeça, pantufas e meias, fumando na frente da casa. Aconchegante como a fonte missioneira, que é de água quente. A gente chega achando que vai matar a sede, mas acaba se curando da sinusite. Dá vontade de tomar banho, como em bacia: o banho das origens.
As ruínas são bem mais que cascas: têm sangue. E a graxa preta da M’boi-guaçu se tornou a substância das pedras da torre.
O show de som e luz não conta nenhum segredo, mas pelo menos não atrapalha o espetáculo do rio de leite, no céu. Recomenda-se tomar chimarrão sob a árvore que fica dentro da casa do padre – e que parece estar ali desde antes de qualquer padre, de qualquer pedra. Coisa de árvore: a gente olha e pensa: é bem esse o lugar dela. Diferente das pessoas e das cidades, árvore sempre nasce certo.
As Missões doem que nem milonga em lá menor. A luz ali é antiga demais, ampla demais, desistiu de deixar de existir. Os fantasmas não têm descanso. Quem manda lá é o vento. “Continua, vai vai, vamos…”, diz o minuano, vento cavalo, vento quero-quero, vento grito, mais que assobio – montaria pro silêncio.