Acaba de pousar na sacada do prédio em frente. Está em cima do morro mais alto do bairro. Está de olho.
Só vejo ele porque é gordo e preto. Contrasta com a esquálida luz da tarde serrana. Mas combinam, o pássaro e o cenário: estão só esperando.
Tenho visto muito urubu, nos últimos tempos. Nos últimos tempos: bem coisa de urubu. Aquele ali eu batizei de Rubem Braga.
“Eu quisera ser um passarinho. Não, um passarinho, não. Uma ave maior, mais triste. Eu quisera ser um urubu”, escreveu ele numa crônica. Aquela que fala assim:
“A minha vida sempre foi orientada pelo fato de eu não pretender ser conde. Não amo os condes. Também não amo os industriais. Que eu amo? Pierina e pouco mais.”
Os condes morreram, os industriais morrem todo dia, Pierina virou personagem do Pozenato, só não morreu o Rubem Braga, que continua sentado na sacada do prédio em frente.
Chegaí, Rubinho, vem tomar um mate.
Mas ele está com a cabeça em Paris. Nos tempos em que os jornalistas iam ver guerras e escreviam sobre mulheres. Escreviam, os jornalistas, e eram pagos pra isso. Ah, Copacabana. Agora ele fica ali, olhando a avenida. Esperando o pulo do gato sob os tratores de Caxias. Assim como ele ficava lá no terraço dele, onde criava passarinho, planta e pança.
Quer ver? Daqui a pouco vai vir a — veio. Tali a dona da sacada onde pousou o urubu. Tenta enxotá-lo com a vassoura. Ele pula pra cá, ela pula pra lá, resistem. Ela enjoa, atira a vassoura nele e saem voando: a vassoura prum lado, o Rubem Braga pro outro.
Voa, Rubem, voa. Conquista o mau humor serrano com teu sereno mau agouro.