Viaje hacia Marte

Deixa eu te contar: eu tava querendo ir pro Uruguai visitar meu amigo Marte. Vê se isso é nome, né, mas diz que era moda lá na época em Rivera: a piazada tudo com nome de planeta: Júpiter, Vênus, Hercólobus… Só não botavam de Plutão porque os uruguaio não são bobo. 

Aí eu fui falar com o Morosoli, da bodega. Ele tava escrevendo no balcão, fiquei com dó de atrapalhar. Mas ele me olha rápido: fala com o Rodríguez, diz ele, que o Rodríguez tá sempre indo pro Uruguai. 

Beleza. 

Mas rapaz, se eu te conto… O caminhão do Rodríguez era um legítimo campeão do mundo, de 1950, um Ford Bigode. Só tinha vaga na carroceria, aí eu peguei assim e pulei nela, que o caminhão ele ia indo, né, não dava pra ratiar: se ele parasse, o motor morria e nem benzendo a manivela pra pegar de novo.

Só tinha véio naquela caçamba. Tava lá o Leite com Fidel — vê se isso é nome. E tinha um que era o Sete e Três, Dez, que o pessoal chamava. Digo eu também sou um número: Treze. Dez e Três, Treze, diz ele. Fiquemo amigo.

***

O caminhão tinha só um farol assim, bem no meio (mais ou menos), que dava uma visão dum palmo de nariz. De Caxia até a fronteira os buraco parecia marca de furungo no asfalto. O ritmo era de bugio: aquele ronco, aquele tranco, o caminhão a vinte por hora indo um pouco pra frente outro pouco pra trás, que nem gaita véia de fole furado. Se chegava a trinta virava vanera — aí era cada um por si lá em cima daquela caçamba pra não cair fora nos banhado que tinha na veira da estrada.

Mas aí eu não sei se por causa do sol ou a genebra que volta e meia chegava na minha mão, só sei que eu caí num sono que eu só fui acordar lá quando quw eu também era véio, sabe. É assim, diz o Desconhecido, outro na caçamba. Num dia tu tá jogando bola cos piá, diz ele, e no outro teus osso serve como trave, na pelada da nova geração. Verdade, diz o Leite com Fidel. Até os cabelo ficam atrapalhado: em vez de nascer na cabeça, começa a sair pelo nariz, pelas oreia…

Antes de nós chegar em Livramento o caminhão já tava se desmanchando. Ia perdendo as capa dos pneu, as rosca das roda. E aquele sol na moleira, as cigara virada numas carpideira. Tão cantando uma milonga, diz o Sete e Três, Dez. E foi esse aí falar que o Rataplam já começou batucar na damigiana d’água: agora virou candômble, diz ele.

Daí, quando que o Rodríguez estacionou em Rivera, o caminhão desmanchou de vez: foi só um ptsssss… A piazada tudo faceira pegando os farelo do Fordão pra brincar de confete. E veio o Marte rindo com aquele bigode dele, maior que o do caminhão. Chegaram a tempo pro carnaval, diz ele, e já passava a garrafa de genebra pra nós ficar novo de novo.

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