Na verdade ninguém sabia direito de onde eles vinham, já que ninguém entendia o que eles diziam. O termo “marcianos”, bem como “invadiram”, foi adotado apenas pra facilitar o entendimento do povo (“povo” é o termo adotado pra facilitar o entendimento dos consumidores).
O importante era que os alienígenas tinham escolhido invadir o Brasil, samba que dá, e não os Estados Unidos, New York New York.
Em vez de Los Angeles, Macapá.
A hospitalidade natural do natural povo hospedeiro brasileiro encantou os etês. E logo ficou evidente que a invasão alienígena era um evento muito mais lucrativo do que a copa do mundo ou a olimpíada, então o governo pagou umas empreiteiras aí pra construírem vários ovniportos: um na Amazônia, outro no Pantanal e o resto no Rio São Paulo, devidamente aterrado.
Americanos de bermuda, alemães de sandália e japoneses de máquina fotográfica promoveram uma invasão tão caótica quanto a alienígena, porque ninguém entendia o que eles falavam também. Enquanto isso, linguistas tentavam decifrar o marcianês e a ONU debatia se Marte ganharia apenas uma cadeira no conselho de segurança ou se poderiam indicar também o presidente da OMS.
A China oferecia ovninhos eletrônicos. O Oriente-Médio oferecia petróleo e religiões. A França oferecia o Michel Houellebecq. O Uruguai oferecia cidadania uruguaia. O Brasil se oferecia.
Nas telenovelas, os amores impossíveis deixaram de ser entre a pobretona e o boy Leblon e passaram a ser entre a pobretona e o marciano. Que descobriam que, na verdade, eram irmãos separados no Big Bang. Mas no penúltimo capítulo se revelava que o marciano também tinha sido trocado na maternidade, então o amor intergalático vencia.
A previsão do tempo passou a falar de como a temperatura naquele ano em Marte estava batendo o recorde histórico desde o início das medições, horas antes. O próprio nome Marciano voltou a ser moda (né, caro colega da Menas?) A dupla sertaneja As Marcianas ganhou discos voadores de ouro. Os protestos se dividiam entre #foramarciano e #somostodosmarcianos. Nasceu o marcianismo, o Partido Marcianista e, consequentemente, a bancada marciana no congresso nacional, com sete ministros e um vice-presidente.
Uma pesquisa revelou que os marcianos estavam apenas em 18° lugar entre os medos coletivos, muito atrás dos negros, dos árabes, dos gays negros, dos negros árabes, das mulheres, dos bolcheviques, dos estudantes, das drogas, das aranhas, dos vegetarianos e do próprio pai. Até que se descobriu que os marcianos pretendiam destruir a democracia e a liberdade. Os americanos ameaçaram intervir se o Brasil não entregasse os alienígenas. Rumores de guerra interplanetária no ar.
Foi só aí que os extraterrestres se fizeram entender.
Num português perfeito, deitadona numa rede à beira mar, água de coco à beira mão, uma marciana informou:
– Oxente bichô, a rente tá tri bem aqui, brou. Se os ianque tão incomodado, eles que se retirem, uai.
E os marcianos ofereceram suas naves para que os americanos fossem colonizar outro planeta. E os americanos pegaram suas bandeiras e deixaram a Terra dizendo bye suckers.
Fez-se um grande silêncio, como se tivessem desligado o motor.
Como se estivesse amanhecendo no campo, como se existisse o campo.
Humanos e marcianos passaram a conviver sem grandes percalços, trocando ideias e gerando uma nova espécie. Os otimistas dizem que os humanígenas representam uma profunda integração cósmica. Os pessimistas acham que isso vai desequilibrar de vez o universo.
Os realistas têm mais o que fazer.
O certo é que os americanos não conseguiram conquistar outro planeta e tentaram voltar pra casa.Os mexicanos não deixaram eles entrar.