Décadas atrás, fui amigo de um grupo que se propunha a fazer literatura explorando apenas a banalidade. Um exercício recorrente era escolher de modo aleatório uma pessoa na rua e escrever listas de possibilidades sobre a vida dela. Por exemplo, um homem esperando um ônibus: está indo pra casa, onde o espera um filho desempregado; se fosse meu vô, iria para o INPS; quando criança, queria ser gari ou vendedor de gás, só pra ficar dependurado num caminhão; vai entrar no ônibus e continuar o assunto de ontem (rios aéreos) com o motorista.
Resenha da Ospa
Era uma vez um guri, lá do interior, que na casa dele tinha uma geladeira que pegava a rádio Cultura, depois das sete da noite de domingo.
Certa vez, ele estava tomando mate e comendo rapadura de melado, aí a mulher da rádio anunciou que, dali a uns dias, a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre ia fazer um concerto.
Professor Faraco
Uma vez me perguntaram o que eu gostava de ler e eu disse Sergio Faraco. Riram porque liam, diziam, Tchekov, Hemingway. Livros complexos, diziam. Daí eu criei vergonha e fui ler Tchekov, Hemingway. Bem tranquilo. É tipo as coisas que o Faraco conta, só que na Rússia ou na França.
99 corruíras
Esses tempos falei do Dalton Trevisan aqui. Falei que ele só lia Machado de Assis desde que ficou viúvo, e que em Caxias teria feito sucesso com esse sobrenome.
Pois o Dalton, agora, enviuvou todos os contistas da nação.
Professor Pozenato
Quando eu era pequeno, em Caxias, eu pensava no Pozenato com incômodo. Um certo ranço de guri de bairro, que vê qualquer outro como privilegiado. Sempre o Pozenato, eu dizia. A tv só entrevista ele, o único escritor serrano considerado como escritor é ele.
Envelheci, cansei e fui tentar me livrar desse rancor. Ler de fato as obras do Pozenato ajudou.