Na aurora da minha vida, eu lia. Na parada do ônibus, nas filas de banco ou banheiro, até na sala de aula. Eu precisava recuperar o tempo perdido por ter nascido em Caxias, nos anos 1980, e não em Paris, em 1890… E ler em público era uma forma de me sentir menos estrangeiro, porque eu ia reconhecendo outros leitores.
Quando eu fui padre
Noventa por cento dos intelectuais serranos foram padres pelo menos uma vez na vida. Até pouco tempo atrás, entrar para um seminário era a única maneira de um filho de colonos estudar além da quarta série. Uns usavam essa boa desculpa simplesmente pra sair da roça. Outros gostaram tanto de estudar que acabaram virando professores, escritores, políticos. Talvez algum tenha virado padre de verdade.
Disputas coloniais
Toda Festa da Uva tem os Jogos Coloniais, com arremesso de queijo, corrida de carrinho de mão e pisoteamento de uva. Mas a maior disputa entre caxienses ocorre todo fim de tarde, quando os homens se encontram na bodega.
Sobre o narrador
O narrador de uma obra literária de ficção é, por si, uma criação literária. É como o trabalho de um ator que, quando vai representar um personagem, precisa fazer um estudo das referências desse personagem, da história dele, como ele se movimenta, como fala, o que come, como ele dorme, quem ele ama, quem ele odeia. Isso é um recurso de criação artística que funciona muito bem pra criar um narrador também. Porque isso serve muito pro corpo.
Uma noite no arquivo
A nostalgia, dizer-vos-ei, é um barato. Há que cuidar, inclusive, porque vicia. Sob aquela capa de inteligência (“Vou ali no museu olhar uns mapas”), esconde-se toda uma dinâmica tão grave quanto beber graspa às duas da tarde no Kerwald.