Lendo O que carrego no ventre

Esse livro do Marcelo Martins Silva, O que carrego no ventre, foi reeditado em 2024 pela editora Coragem, que bom.

Achei na livraria, fui folheando, assim no ônibus, que é também um ventre, né, o ônibus. Fui lendo, aos trancos e solavancos, e imaginei que eu estava lendo o livro do jeito que ele havia sido escrito, aproveitando o tempo que temos, entre uma parada e outra. Melhor:

“De um verso a outro

o poema rabisca a tarde

atento às intempéries do mundo

e as investidas da morte”

 

Na correria, com atenção difusa, o escritor vai deixando suas marcas, registrando o tempo, gerando a literatura que impede o fim do mundo. Que nem o leitor, no ônibus, fazendo a leitura possível, no clima da poesia possível que o poeta botou ali:

 

“Um verso aos que escrevem

aos humilhados, aos ofendidos

aos corpos crivados de bala

 

Na poesia descanso a cabeça faminta…”

 

O livro todo me pareceu uma elaboração do cansaço, pela resistência. Ali está a crítica social e também a insônia, isso de tentar dormir e não querer, ou não conseguir. A poesia que o poeta carrega no ventre é a que nasce da tentativa, acho, é a vigília, o justo necessário pra captar o transcendente, neste mundo que, se tu piscar, te rouba a graça. 

Depois, no serviço, me dei conta que o Marcelo fez uns poemas tri bons de levar pra escola. Por exemplo, aquele que diz

 

“Porto Alegre é o cansaço de si, o cansaço de tudo,

é uma avenida lotada de carros, um cafundó com luzes”

 

Já pensou, em março? Taí uma aula pronta: inspire-se no poema de Marcelo Martins Silva e escreva um texto sobre a cidade. 

Ou esse outro, que eu gostaria de ler numa reunião de profes, em vez de ficar ouvindo algum coach coachar. Se chama Além dos muros da escola:

 

“Os alunos me pintaram de preto, fizeram desenhos

Os alunos, suas caixas de ritalina e estranhos diagnósticos

Os alunos sangraram minha solidão imensa

O frenético arrastar de cadeiras…”

 

Simpatizo muito com poetas professores, que pegam ônibus, que escrevem enquanto levam a vida que a gente carrega, poetas que tornam o carregamento mais leve. No caso, o trabalho do Marcelo Martins Silva, a gente olha e dá um alívio ver que são textos de cada dia, da vida inteira. Nos dá liberdade pra ler em qualquer lugar, a qualquer momento. E dá vontade de escrever também, tomar umas notinhas.

Valeu, abraços!

 

 

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