Preparo um mate, recosto-me na poltrona e, quando estou prestes a dar corda no relógio do colete, alguém bate palmas à frente de casa.
Deve ser o vendedor de pomelo. Se fosse sexta-feira (dia de ser jovem), eu podia até ignorar o chamado. Porém, hoje é terça, dia de sentir-me velho. Então, para honrar a memória daquele feliz ano de 1907, quando sentávamos para tomar a fresca sob o marmeleiro com toda a vizinhança, enquanto os lépidos infantes pulavam corda e davam cambalhotas sobre o feijão recém-colhido, assomo à porta.
— Saudações! — diz o homem na rua, indicando uma bolsa de couro marrom-passado — Aceita dar uma olhada no meu catálogo de enciclopédias?
Como negar uma oferta tão instigante?
Indico uma poltrona, espicho o mate.
— Não tem café? — solicita o caixeiro-viajante.
Faço-lho, enquanto observo o viajor espalhar dezenas de grandes livros de capa dura sobre a mesa que, nas terças-feiras, é feita do mais puro cedro.
— Tenho a Barsa, a Larousse Cultural e, insignemente, a Britannica — diz o caixeiro, secando o suor com uma folha de flandres.
Toma um gole do café, faz um muxoxo e observa:
— Tem açúcar?
Abro um armário de perfumado mogno e eis um pote cheio de cubinhos do mais cândido néctar pernambucano, que o vendedor esvazia dentro da chávena.
Analiso os livros. Rejeito logo a Barsa, que me irrita com esse sotaque caipira. A Larousse exerce certa atração sobre mim, pois me lembra das saudosas lições de francês com a professora de piano, no sobrado recém- construído por papai. Mas a Encyclopædia Britannica… Que beldade! Basta aspirar suas páginas para que eu receba em cheio a convicção de que nossa nação seria uma laracha diversa caso tivesse sido colonizada por ingleses.
Teríamos tido a República do Chá com Leite. Em vez de Beatles, Mutants. O Pelé seria o rei do críquete. E as pessoas que idolatram São Jorge poderiam continuar idolatrando São Jorge.
— Ótima escolha — diz o caixeiro-viajante — Todo este conhecimento por apenas 400 mil réis.
Aprumo-me, em postura digna dessa cifra. Apalpo meu fraque e, não encontrando meu saco de moedas de ouro (no bolso da calça, há apenas um maço de promissórias vencidas), informo que preciso fazer uma chamada.
— Telefonista — digo no aparelho contíguo à parede — Ligue-me com o doutor governador da província.
Enquanto espero pela conexão, batem novamente palmas diante da casa. O caixeiro vai olhar e anuncia com solidariedade de classe:
— É o leiteiro.