O poderoso patrão 

O homem saiu do banho e pensou que hoje podia botar aquele perfume. Não era qualquer dia, né, era o casamento da grande filha dele. Grande filha não, saiu estranho isso, era o grande casamento da filha dele, a única, depois de quatro guris. Ou ela era a do meio, algo assim. 

Se olhou no espelho, cortou melhor os bigodes. Bigodes ou bigode? Pra que usar bigode? Hoje eu não tô batendo bem das ideia, concluiu.

Na verdade não concluiu, continuou se olhando no espelho, como se fosse uma mulher. Bem assim ele pensou: tô aqui no banheiro, me olhando pelado, no banheiro quentinho, como se eu fosse uma mulher. O que salvava era ter bigode. No casamento da grande filha dele. 

Que luxo, um espelho, um banheiro. Quando o casamento foi o dele, naquela época, no meu tempo o banheiro era uma patente que tu tinha que atravessar o pátio, na geada, e o sabugo, aquela coisa. E o penico, de manhã, pela janela, tchuf! Espelho só no açude. Mentira, nos olhos da muié, quando ela te dizia tá na hora de cortar esses pelo das oreia, ou vai lavar esses óio remelento, espelho uma ova.

Mas é pra isso que a gente trabalha, tchó. Pelo menos uma vez na vida vou usar água de colônia. Saí da colônia pra usar água de colônia, vê se pode um troço desses. E tudo aqui conquistado com o esforço do braço e a força da mente, as duas coisas, que se um só faz uma, a outra se encaranga. 

Hoje ele não tava batendo bem mesmo. Tem álcool no perfume?

A mulher veio chamar na porta:

— Que tu tá fazendo, Vito, moreu?

E ele, engasgando, resmungou que vá vá, essas coisas que se diz depois de cinquenta anos.

Na sala, no pátio, imagina que luxo ter um pátio, uma sala, as duas coisas, e poder decorar pro casamento da tua filha, a grande. Não que tu, ele, o Vito, fizesse alguma coisa além de permitir que a esposa comprasse tecido branco pra bordar com as comadres e pendurar nas cadeiras. Quero ver depois ela desmanchar tudo esses bordado, capaz de querer doar pro padre, a santa.

O vinho, a mulher tinha chamado porque queria saber do vinho. Mas deixa o vinho, melhor que nem se lembrassem, depois, na hora, na hora a gente vê, na hora a gente faz de conta que bá, esqueci do vinho!, comé que pode?, core Frederico, vai no porão que tem um garafão ainda ali, mas que cabeça a minha. 

Então tudo certo. Ergueu o braço e sentiu o cheiro da colônia, os dois cheiros, que um deles evapora logo, é melhor aproveitar, e o outro não sai da gente nem com sabão crioulo.

Tutto a posto, lora, dava até pra tirar uma sesta antes do almoço, antes da missa, antes de tudo, antes da própria sesta, uma sesta. Mas daí me aparece aquele infeliz do Américo com cara de enterro, ou de velório, que ele tem mais cara de velório, uma cera só, esse papa-defunto do Américo.

— O senhor me entende, seu Corleone, minha filha eu criei no modelo brasileiro — choraminga o Américo — Ela, na cidade, já ia sozinha na catequese, já lia os livros de romance, já andava querendo olhar o cinematógrafo, eu acreditava no Brasil. Comé que eu ia prever que o rapaz ele ia me iludir a minha filha? O senhor sabe, ficou sabendo do golpe que me deram, a história da vaca que ele vendeu, que era a minha princesa, a minha aposentadoria, só pra pagar uma dívida de jogo lá dele…

E bibibi, bobobó, não sei quê, o Bonasera, que era o sobrenome do Américo, Américo Bonasera, que criatividade prum dono de funerária, não terminava mais de encher salame, o Américo. Aí o Vito:

— Porco can, não acredito que tu veio no casamento da minha filha pedir dinheiro!

E enxotou o compadre, que eram compadre, ainda por cima, o Américo a mulher dele era concunhada da mulher do Vito, aquela coisa. O Corleone enxotou o coitado e ficou no corpo dele, no ar, ficou só um dos cheiros de colônia, um deles, o de sempre, o pra sempre.

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