Aula de português

O professor chegou na sala e percebeu que o aluno mais bagunceiro estava abichornado.

– Sai fora, psor!

Depois de meia hora tentando explicar que “abichornado” não era o que parecia, o profe entendeu que o aluno estava triste por causa de um amor frustrado.

– Ela falou que só me vê como amigo…

Então o professor sacou do bolso um livro do Manuel Bandeira, onde havia um poema chamado Arte de amar:

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.

A alma é que estraga o amor.

Só em Deus ela pode encontrar satisfação.

Não noutra alma.

Só em Deus – ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Outra meia hora se passou enquanto o professor tratava de apaziguar uma disputa de cuspe e bolinhas de papel. Foi só quando tocou o sinal indicando o fim do período que o guri se aproximou e disse:

– É bem assim, sor.

No dia seguinte, o professor foi chamado na direção. A chefe queria saber por que ele estava incentivando o sexo. Não adiantou mostrar o poema do Bandeira. Não adiantou alegar que se tratava de uma oração a Deus, portanto algo que pairava na atmosfera moral da escola. O corpo dele e o da diretora, a alma dele e a da diretora eram incomunicáveis. Ela se mostrou mais ateia do que a média entre docentes e insistiu que as únicas orações que ele devia ensinar eram as subordinadas adjetivas restritivas.

O professor não fazia ideia do que fosse isso. Tinha passado a faculdade inteira lendo literatura, apaixonado por uma colega que, ao ouvi-lo declamar Manuel Bandeira, dizia:

– Tu é meu melhor amigo…

 

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