Tinha uma coisa, em 2005, que era impedir a aprovação da ALCA, Aliança de Livre Comércio das Américas. Uma bobagem típica dos ianques, que era outra coisa que existia, em 2005, a expressão “ianque”. No Fórum Social Mundial, se falava muito mal deles. Agora meio que todo mundo aceitou que eles são os “americanos”.
E tá tudo bem. Vinte anos depois, é a expressão da moda: “tá tudo bem”.
Ah, 2005… Tinha um orelhão que funcionava, nos fundos da rua Luís Afonso, onde qualquer chuva alagava. Quantos rios já não tinham sido encanados, em Porto Alegre, em 2005?
The Power of The Várzea. A frase mais pichada nos banheiros da UFRGS, naquele ano.
A passagem aumentou de 1,55 pra 1,75. Teve protesto organizado. Recém tinha sido fundado o Movimento Passe Livre, no Fórum Social, por supuesto (era importante aprender espanhol, em 2005).
O Caxias foi rebaixado, o Inter foi garfeado e o Grêmio fez um milagre em Recife. Quem ganhou o carnaval foi a Restinga. Nasceu naquele ano o Fantaspoa e o Porto Alegre em cena trouxe Dias felizes, do Beckett.
Em 2005, uma apresentadora da tv foi no bar onde eu trabalhava e pediu filé. Fizemos filé. Daí ela pegou o prato e deu pro cachorro, que sentou bonitinho na mesa.
Em 2005, o Luis Fernando Verissimo já era mais conhecido que o pai dele. A Lya Luft era leitura obrigatória. O Moacyr Scliar e o João Gilberto Noll ganhavam Jabutis todo dia. O patrono da feira do livro foi o frei Rovílio Costa, fundador da Editora EST. E o Fausto Wolff, com sua voz de Dreher, esteve no programa As músicas que fizeram a tua cabeça, apresentado pela Ivette Brandalise com sua voz de Hilton longo.
Célebre 2005, ano em que surgiu a ocupação 20 de novembro, na esquina da Mauá com a Caldas Júnior. Aí tiraram as pessoas e, em 2006, quem usou o prédio foram uns ladrões pra cavar um túnel até o Banrisul.
E já fazia um ano, em 2005, que os kaingang tinham iniciado a retomada no Morro do Osso.
Hoje é fácil falar mal de Porto Alegre, mas vinte anos atrás tinha a rádio Ipanema, tinha o xis da Niri que vendia fiado, no Partenon. O que não mudou: esse bafo depois da chuva, essas flores podres na rua.
E caminhar domingo na avenida Bento ainda se parece com caminhar domingo em qualquer avenida Bento do interior: só farmácia, posto de gasolina e ônibus demorado.
Mas lembro que uma mulher, numa tarde em 2005, pra consolar o povo na parada disse que é assim, ônibus é tipo o fim: mais cedo ou mais tarde vem.