Quando o Chupim era pequeno, parece que as dúvidas na Sexta Légua eram saber onde começava Santo Francisco e terminava São Virgílio, e aí, quando aparecia alguém de Santo Antônio ou de Nossa Senhora da Rocca, a discussão não terminava nunca mais: sinal de que as fronteiras já estavam borradas nos anos noventa do século XX.
Os Faoro, que moravam na divisa das duas comunidades, não sabiam se jogavam no time de São Virgílio ou no de São Francisco, porque eles frequentavam mais a igreja de São Francisco, mas o campo do São Virgílio era muito mais tri. Só que, quando iam pra cidade, como o povo se referia ao centro de Caxias, a piazada sempre dizia que era de São Virgílio, por uma questão de status, já que São Virgílio era mais perto da zona urbana: se tu era dali tu era um pouquinho menos colono do que os demais. E diziam São Vergílio com e, porque assim parecia mais correto, embora na fachada da igreja estivesse escrito bem grandão São Vigilio, sem e nem r, como era de fato o nome do tal santo italiano.
Trinta anos depois, São Virgílio da Sexta Légua tinha virado um bairro de elite, com os descendentes dos agricultores loteando as terras e construindo casas de dois andares, piscina, cachorro importado, cerca elétrica, câmeras e demais medidas contra os pobres do burguinho do Cruzeiro.
O mundo moderno vinha se ameaçando na Sexta Légua desde quando começaram a acontecer festas dance em São Virgílio; aí foi um passo pro surgimento de barbearias em que os mais frescos deixavam um olho da cara e ganhavam uma bira morna de brinde, e pra transformação de velhas vinícolas em spas pra drogados, tudo de acordo com o novo padrão de casas envidraçadas e assépticas, construídas ao lado das antigas casas de tabuinhas horizontais de pinheiro com porões altos de pedra que, pra cinco ou seis gerações de agricultores, tinham servido de cantina, garagem pro trator, depósito de salame, queijo e esterco. Mas o futuro chegou mesmo por inteiro, num legítimo fechamento de ciclo, com a instalação do crematório perto da igreja.
