Lendo enquanto O mar enquanto

Eu tava lendo esse aqui, do Diego Lock Farina: O mar enquanto. Uma aluna se interessou e emprestei, na aula. Ela olhou, folheou, quando eu percebi ela tava lendo em voz alta pra colega do lado. 

— Profe, não entendi. Não dá pra entender.

E não largava o livro. Folheava, indignada. Não se conformava de não entender.

Os versos que ela escolheu me mostrar eram assim:

“Das mortes todas da vida

a que prefiro é a da chuva”

— Como é que a chuva pode morrer? 

Pois é, digo, poiésis. Na verdade não falei nada, na hora. Fiquei na frente da guria pensando, saboreando aquela ignorância que era minha. Como é bom não entender de cara a poesia! 

— Quer dizer que a chuva é viva? — ela insistiu. 

Acho que acabei falando algo como “a chuva se cria, se espalha, vira poça, entra na terra, volta pra cima, vira céu de novo – isso é uma metáfora da transformação, talvez, uma transformação que mata a nossa sede: é uma morte que nos dá vida, assim como nós, na melhor das hipóteses, também damos vida pra algumas coisas durante a nossa existência” – ou pelo menos é o que eu gostaria de ter falado, naquela hora, no papel de professor do oitavo ano.

Agora peguei o poema e li mais uns trechos. Encontrei esses versos que resumem a minha interpretação:

“A chuva vive e morre na coisa mesma 

e a morte sempre cumpre a promessa de ser”

Acho.

O importante é que a aluna lá ficou com uma cara de “barbaridade, esses poetas…”, que é o que deve fazer a literatura: mostrar pra todo mundo que nem todo mundo é igual a todo mundo. 

E que a chuva morre dum jeito lindo mesmo.

— O livro é o tempo todo assim? — perguntou a guria, quando deu o sinal.

E ali ficou ela, todo mundo saindo correndo pra merenda mas ela ali, querendo saber se o livro do Diego era o tempo todo assim.

Num livro enquanto, tu vê: a guria numa breve folheada já captou que era um livro que tinha algo de o tempo todo. E ainda me diz que não entendeu nada.

— É todo de poesia — respondi — mas nem sempre ele tem esse tom profético.

Acho que eu queria dizer “aforismático”, me saiu assim: “profético”.

— E tu já leu ele inteiro? 

Ela perguntava como se fosse algo impossível. Afinal, estávamos falando do tempo, do todo, do inteiro. E a fila da merenda dobrando a esquina.

— A gente nunca termina de ler essas coisas — confirmei — É um livro que tu pode passar a vida toda lendo.

Daí ela foi, eu fiquei ali, pensando bá, olha só, o livro do Diego o cara pode passar a vida toda lendo. 

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