Parece mentira, mas tinha dois lá, dois irmãos, que era o Comércio e a Indústria. O pai, diz que ele trabalhou no Clube da Indústria e do Comércio, o homem viu isso e pensou taí, vou botar prosperidade pra minhas crias.
Até aí tudo bem, tem nome pior, tipo Epimeteu, que era um filósofo, e a Delícia, imagina tu te chamar Delícia, a costureira lá do bairro, uma das, ela se chamava assim.
A moral é que a Indústria e o Comércio, a ideia do pai deles, da mãe também, que era cúmplice, a ideia era serem sócios. Desde o nascimento, era a ideia. Tanto é que o homem pagou uma astróloga pra fazer um cálculo, o dia mais auspicioso pra nascerem os dois, pra fazerem amor, o pai e a mãe, de modo que nascessem as duas crianças juntas, num dia fadado ao sucesso, como eles dizem, na astrologia, fazer amor.
Até aí tudo bem, só que já desde o útero começaram a se pulsear: um chutava mais que a outra, a outra pedia mais desejos que o um.
A coitada da dona, a mãe, no chá de fralda fizeram aquela mandinga pra adivinhar o sexo do bebê, com a agulha, sabe, que se a agulha gira em círculo é guria, se vai pra frente e pra trás é guri (tem que prender a agulha numa linha, assim). Mas no chá de fralda o resultado saía tudo ao mesmo tempo, que as crianças na barriga tinham o poder de influenciar a mandinga: começava a girar em círculo, a agulha, mas logo ia pra frente e pra trás, virava um redemoinho. Parecia aquela brincadeira que a gente faz na ginástica de idosos, sabe, de mexer a perna pra frente e pra trás enquanto o braço faz um círculo, impossível.
A moral é que, no parto, foi aquela briga pra ver quem saía primeiro, e na escola, o fato do Comércio começar com C, enquanto a Indústria vinha só mais tarde na chamada, barbaridade, as professoras amaldiçoavam o dia que tinham feito concurso pra trabalhar naquela cidade onde os pais tinham ideias assim, onde era bonito ser da indústria e do comércio.
Mas sobreviveram. As profes, as crianças, inclusive os pais sobreviveram pra ver a Indústria virar caixa na farmácia e o Comércio soldador.