A lenda do corpo e da cabeça

1. O bandoleiro Paco

Na antiga casa do Ardelino, onde ficava o açude, botaram um marco. Ali um louco matou um homem. Cortou fora a cabeça com um machado. Tem uma cruz lá, alguém sempre leva flores. Depois que ele cortou fora a cabeça, jogou longe, porque tinha medo que ela voltasse a grudar novamente. Não tem nada a ver com o bandoleiro Paco.

Os Pandolfi contavam essa história. Aparece até num livro sobre o interior de Flores da Cunha. É uma anedota dos anos 1920 ou 30, quando a zona sul de Porto Alegre era praticamente uma colônia, tinha até Festa da Uva. A Vila Nova se chamava Vila Nova d’Itália. Os agricultores subiam os morros carregando cestos de vime. Rico era quem tinha alguma mula. Mas o sonho de consumo era uma carroça, uma junta de bois, uma vaca leiteira e um porão pra pendurar queijo. Bem de vida, bem dizer, só os veranistas do centro, que iam de trenzinho pros balneários do Guaíba, vestindo chapéus e calçolões. A piazadinha da zona sul ficava de cara comprida olhando os turistas, torcendo pra que pingassem níqueis e balas de alcaçuz. De onde vocês acham que vem o nome Tristeza?

O causo da cabeça é bem característico das barbaridades líricas que aconteciam por ali. Líricas pelas flores, pelo gesto do Ardelino de colocar um marco no açude pra indicar o local onde apareceu um corpo sem cabeça. Quem levava as flores? Será que elas apareciam sozinhas? Tem também aí uma dimensão fantástica. Já pensou se a cabeça e o corpo se grudam novamente? É coerente. Se neste mundo há lugar pra que se cortem cabeças com um machado, por que não haveria espaço pra que uma cabeça volte a se grudar no pescoço que lhe pertence?

O porquê, no entanto, é o elemento menos relevante. Neste folhetim, vamos explorar outras sutilezas. E nos interessa menos o assassino do que o fato de que este não tinha nada a ver com o bandoleiro Paco.

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