Quando eu era pequeno, em Caxias, eu pensava no Pozenato com incômodo. Um certo ranço de guri de bairro, que vê qualquer outro como privilegiado. Sempre o Pozenato, eu dizia. A tv só entrevista ele, o único escritor serrano considerado como escritor é ele.
Envelheci, cansei e fui tentar me livrar desse rancor. Ler de fato as obras do Pozenato ajudou.
O segredo foi ler mais do que os romances, dentre os quais se destaca O quatrilho. Esse é bom mesmo, não perde em nada pros canônicos do real-naturalismo brasileiro. É tão bem feito que sustenta sozinho as outras obras que compõem a trilogia do Pozenato sobre a colonização italiana, A cocanha e A babilônia.
Dos romances policiais só li O caso do martelo. Cumpre perfeitamente o gênero, com a graça de se passar na roça, entre os gringos, revelando os medos deles, os preconceitos, as ternuras.
Mas descobri que o Pozenato foi sobretudo poeta. Bom criador de imagens ásperas, mas disfarçadas de discretas, que nem a paisagem serrana. Difícil resumir a variedade de formas que ele explorou em versos. Veja lá suas poesias completas, o livro Mapa de viagem.
Conhecer o Pozenato poeta me deu a sensação de estar em casa depois de perambular, de ressaca, pela vasta e indiferente cosmópole literária. Tipo reencontrar minha vó, chegar em casa e sentir o cheiro de polenta brustolada na chapa do fogão a lenha.
Tá tudo bem, eu pensei. A serra, Caxias, o escritor colono não são meus inimigos.
Acho que os versos a seguir, do poema Epígrafe, são bem ilustrativos:
Aqui está o poeta provinciano
na doce paz dos seus botões,
e nas palavras tropeçando
incapaz de medir os pés.
Esse poeta tinha consciência de onde vinha e por onde podia ir. A literatura do Pozenato é um exemplo pra qualquer interiorano que pretende se aventurar na escrita. Gostaria de aprender com ele.
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O trabalho dele é um moinho, uma fonte de energia, uma usina poética pra qualquer interiorano que quiser se carregar de literatura.
Não apenas era um bom romancista, mas também um baita poeta. Versátil, sabia explorar as formas sem alarde. Mas a coisa que eu mais admiro nele é que, nos últimos anos, ele escrevia toda semana uma coluna sobre arte, literatura, história e cultura regional, aqui neste Portal. Escrever, pra ele, era natural. Isso é um escritor.
A contribuição do Pozenato pra Serra Gaúcha é a de alguém que falava verdades sem ofender. Era muito discreto, o Pozenato. E tinha uma bela capacidade de relacionar o cotidiano com segredos antigos e eruditos.
A melhor homenagem que podemos fazer é ler o que ele escreveu. É assim que se agradece a um poeta. É assim que se relaciona com um escritor.
Escritor é uma pessoa que passa a vida toda se tornando linguagem. O Pozenato agora é puro texto.