Por que Caxias não é uma cidade cosmopolita?
Caro compaesano da Colônia, essa província estendida que inclui Caxias, Chapecó, Ijuí, Pato Branco e cantinas e frigoríficos satélites.
Tu perguntou esses dias: “Por que Caxias não é uma cidade cosmopolita, apesar de ser relativamente grande (quase 600 mil habitantes em 2021), em comparação com Chapecó?”
Digo eu, me aventurando neste gênero chamado ensaio:
Acho que tem um fator determinante e pelo menos dois secundários. O determinante é a mentalidade, que estabelece aqui uma diferença entre trabalho necessário à sobrevivência e o resto, todas as demais atividades, que entram na categoria de ócio. É a formação social e cultural do município e seus arredores (que são pouco arredondados; são mais pontiagudos mesmo).
A colonização italiana e alemã foi feita por pessoas que tinham um projeto social e privado muito claro: a subsistência imediata, fazer família, ter uma vida justa (estreita), guardar dinheiro e sementes para o futuro, que era a única maneira de se ter algum futuro. Catolicismo. Guardar tudo, debaixo do colchão (mas lembre-se que guardare, em italiano, significa “olhar”, que nem no poema do Antônio Cicero). Os valores, portanto, eram o de uma comunidade fechada em si mesma, composta por núcleos: primeiro a família da casa, depois a família com os primos, tios etc., depois os companheiros de labuta e, dependendo da moral dos vizinhos, os vizinhos e suas famílias. Os outros, o resto do mundo, que ia daqui até o vale do Caí, só eram considerados na hora de se fazerem negócios muito necessários: os outros eram vistos, talvez, como ameaça à segurança econômica e pessoal dos colonos. Isso só foi se confirmando ao longo do tempo. Os comunistas e anarquistas não se criaram. O fascismo um pouco mais, pela sua dimensão moral, por estar de acordo com a mentalidade pregressa: ou seja, suponho que os caxienses de 1920-40 que aderiram ao fascismo não o fizeram, em sua maioria, por causa do projeto político daquele partido; o partido é que distribuiu panfletos que diziam o que a gringaiada já pensava desde o século XIX.
Depois, pelos anos 1950-60, começou a haver uma segunda onda migratória; dessa vez, sobretudo de gente do Norte do RS, que veio para Caxias para trabalhar nas empresas metalúrgicas. Hoje ainda vem muita gente da Fronteira Oeste (Dom Pedrito, Bagé, Uruguaiana). Gente que, por estar em Caxias a trabalho, é tolerada por não ter sobrenome italiano e por não ser branca. Então, se Caxias atrai as pessoas há mais de um século é pela questão do emprego. No entanto, em vez de fazer como certos países importantes que criaram todo um conceito publicitário em cima disso (land of opportunity), o que houve aqui foi a realização do paradigma da trabalhice (me falta conhecimento político para chamar a mentalidade local de trabalhista).
Caxias é esse lugar onde é muito difícil viver sem trabalhar; tudo se organiza em torno do trabalho, o que rege os corpos é inelutavelmente o apito da fábrica, sem a malandragem do Noel Rosa – e, inclusive, o único sindicalismo que vigorou aqui foi o de matriz pelega. Portanto não: proletários de todo o mundo uma figa; o caxiense trabalha para sustentar a família, fazer um churrasquinho no domingo, no máximo ir na zona de vez em quando e, depois dos dezoito anos, quem não faz serão é vagabundo.
Foi nesse espírito que os vacarianos, bom-jesuenses, lagoenses e demais gaúchos vieram parar nesses pagos que, além de emprego no segundo setor, ofereciam a nostalgia campeira. É que Caxias não apenas é capital da Província Colona, mas possui também vastos latifúndios na pátria Pampa; como enxerida, talvez, já que nunca foi nativista e sempre esteve mais alinhada ao tradicionalismo do MTG. Mas poderá sempre reivindicar com propriedade o pertencimento ao gauchismo, nem que seja pela fidelidade ao chimanguismo.
