Sabiá cafuné

Porto Alegre tem todos os problemas, menos um: é terra de sabiá.

Os sabiás de Porto Alegre são tantos que precisam fazer turnos de canto: os que à noite, os que à tarde, os que ao meio-dia, os que sobreporão os galos no amanhecer.

Sabiá é critério de facilidade. Nada mais simples que alcançar a primavera pelo canto alaranjado de um sabiá madrugador. Os pássaros enjoados das terras frias só fazem perpetuar o inverno, na ânsia redundante dos quero-queros, na melancolia fugidia das andorinhas, na acusação suspeita dos bem-te-vis. 

É o sabiá que traz o desfecho da luz e do calor, legitimando a paixão insone. 

Botem nos cálculos de IDH: sabiá. 

Só ele preenche os requisitos de alegria gratuita, aquele risinho bem no fundo do pulmão dos desgraçados. É ele que faz ecoar saudade no peito oco dos que nunca choraram chutando cascalho. É ele que libera as lágrimas incrustadas no crânio de quem nunca soube o que é carinho. 

Sabiá é cafuné.

Uma cidade sem sabiá é um relacionamento sem afago. É preciso criar alternativas à falta de sabiá. Magdeburgo, por exemplo, criou o Telemann.

Enquanto abrigar sabiás, Porto Alegre se salva.

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