El Neno

Então choveu por sete dias e sete noites. E o Senhor disse: isso é bom. E choveu por mais dois meses sem parar.

Outra vez, tinha chovido cem mil anos. Foi antes dos seres humanos surgirem para inventar os deuses. Depois, quando o cenário da comédia humana já estava armado, choveu de novo muito, muitas vezes, em muitos lugares. E todos os povos elaboraram um mito do dilúvio: os hindus, os hebreus, os guaranis. Histórias sobre o fim do mundo — o começo de outros.

Agora o negócio é explicação científica. A mudança climática. (Não se fala mais em “aquecimento global” porque isso dá ideia de que não vai fazer frio e, na serra gaúcha, era capaz de surgir um movimento a favor do aquecimento global). 

Mas a gente logo enjoa de termos técnicos. O que diferencia o ser humano dos outros lagartos é justamente a capacidade de criar mitos. E, no fundo, a ciência e a mitologia têm a mesma base: o real. O que muda é o modo de dizer. 

Para criar um mito, basta dar um nome familiar aos fenômenos. Aquele chileno lá, el Niño. Quem conhece o termo técnico? 

Dizem que foi batizado assim por pescadores. Por ocorrer no fim do ano, chamaram a alteração oceânica de “Menino”, em alusão ao menino Jesus.

É nesse espírito natalino que ora batizo o fenômeno climático da serra gaúcha.

No meio da tarde, abriu o sol faz dois minutos, mas vem a viração num jato nhaquento — é el Neno que está brincando com o detefon do nono (e os mosquitos somos nós). De noite, sopra um frio no teu ouvido, vem zunindo um recém-nascido pela janela: el Neno.

El Neno é um pentelho que a mãe pede pra regar as plantas — ele vai lá e derruba uma caixa d’água no canteiro. El Neno é um piá que na escola faz xixi nos coleguinhas, escreve com dedo no banheiro, joga papel no ralo, abre a torneira, arranca fora o registro.

O fenômeno el Neno é o que explica o alto índice pluviométrico da serra gaúcha. Em Caxias, chove em média 1802 milímetros por ano. Três vezes mais do que naquele moquifo chamado Londres (591 mm). É el Neno que permite que os papais noéis não suem dentro daquelas fantasias em pleno dezembro. E é ele que te faz passar o réveillon de japona e meia de lã.

El Neno, típico mito com base científica, verificável por qualquer serrano o ano todo — e pelos turistas no Natal.

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