Dominguite aguda

Não é porque tu foi visitar a família, ficaram falando de política e tua prima passou mal comendo torta salgada misturada com vinho branco na temperatura ambiente. Nem é porque tu foi no estádio, choveu e teu time foi derrotado por zero a zero. 

A sensação de perda de tempo é só um sintoma de dominguite aguda.

No domingo não há mais nada a fazer. É uma morte de parente e o parente é tu mesmo. Fica esse clima de que esqueceram de enterrar.

O único jeito é saltar o domingo, não precisar dele. Trabalhar, por exemplo, aí folgar na segunda. Ou então dormir até o meio-dia, almoçar e fazer uma sesta até as cinco da tarde. Comer de novo, ver uma comédia romântica, dormir antes das nove. 

Mas a maneira fundamental de saltar o domingo é não pegar ônibus. A dominguite é especialmente pronunciada em quem precisa pegar ônibus. 

Esse retrogosto de parada vazia, os cartazes anunciando a providencial aproximação do planeta Hercólobus. Esse refluxo de rodoviária, a cachorrada revirando bituca de cigarro por falta de guardanapo abandonado com cheiro de pastel dormido.

Evitar pensar em ônibus no domingo.

Outra dica importante: jamais te despede da namorada no domingo à tarde. Vai ficar o sentimento de que vocês se divorciaram e não sabem o que fazer com as crianças. Mandar pra vó? Separá-los na divisão de bens? E quem vai ficar com o raro exemplar do Qorpo-Santo? 

Melhor se despedir da namorada na manhã de segunda, nem que seja sem café, às pressas. Melhor chegar atrasado no trabalho com cara de quem dormiu pouco porque dormiu de conchinha, essa cara de quem não sofreu o domingo.

Mas sobretudo nunca pensa em Caxias. Que cidade mais domingo, essa Caxias. Não é à toa que eles adoram fazer ônibus.

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