É um texto corajoso, o ensaio do Gustavo Matte. Obra de um intelectual que não tem medo de correr riscos, um cara que tem compromisso com as ideias que brotam e se misturam na cabeça dele.
Aqui tá o gesto que o Gustavo faz: estender os braços prum lugar além das fronteiras, chamando atenção que o pertencimento de um interiorano não é mais com o local, porque não há raízes a que se apegar, mas a um ambiente transfronteiriço que nos chega pelo pop. É a cultura de todo mundo, pra quem não tem como se apegar a uma raiz.
Escrever literatura fora dos centros literários significa trabalhar dobrado. A gente tem que fazer o texto literário e ainda fazer a própria crítica. Tu não pode esperar que os leitores profissionais vão olhar pra ti e dizer “olha que bacana, vou falar sobre o Gustavo Matte aqui na revistona”. Ou tu fala de ti mesmo, ou tu espera que um colega próximo o faça.
Então o ensaio do Gustavo é uma baita ajuda pra pensar a literatura dessa província expandida que chamo de Colônia. A gente precisa fazer o nosso próprio caminho e o Gustavo, com esse ensaio, colocou umas tábuas importantes no banhado – a gente pode caminhar por cima delas. Sempre que se falar de literatura do sul do Brasil, vai ser útil pegar o Menos tropical ainda e conferir as contribuições.
Porque é uma discussão séria. São questionamentos sinceros acerca de angústias estéticas: afinal de contas, o que há de diferente na arte produzida por descendentes de colonos ítalo-germânicos em cidades industrializadas? Isso mereceria um rótulo próprio? Isso mereceria uma atenção maior da academia? Isso mereceria uma atenção maior do público brasileiro ou mundial? Não tem quase nada estabelecido, não existe uma linha de discussão na qual inserir nosso debate de modo positivo (só o José Hildebrando Dacanal, talvez). É sempre uma proposta tímida. O Gustavo propôs algo com menos timidez e aí está o valor maior do ensaio dele.
É uma proposta pra além da mera existência do autor. Os livros de ficção do Gustavo crescem em torno do que ele escreve ensaisticamente. A melhor parte do Nuvem Colona, por exemplo, é justamente o ensaio inicial, o prólogo fictício. Aquelas páginas ali, pra mim, são a melhor coisa que ele escreveu e, se eu pudesse pedir alguma coisa, eu pediria pra ele escrever um livro inteiro daquela maneira. Uma ficção ensaística, ou um ensaio ficcional.
Bom, depois dessa resenha, a gente pegou e foi escrever junto um livro, um ensaio epistolar, chamado Édipo na Colônia, onde essas questões se aprofundam.