Você tem uma rotina para escrita? Você escreve diariamente?
Rotina não, mas escrevo todo dia, nem que sejam notas. Faço música também. Às vezes apenas gravo áudios.
Você elabora algum planejamento para a produção dos seus livros?
Praticamente todo dia começo uma narrativa nova. Uma vez por ano, quando uma dessas tentativas engrena, entro no túnel dela e elaboro um projeto de modo mais concentrado. Aí entra uma parte de pesquisa focada, por exemplo leitura de material que sirva pra escrita, troca de ideias com outras pessoas, visitas a locais que sirvam de cenário. E tem todo um trabalho de criação de um personagem narrador, ou seja, meio que eu acabo criando uma persona, com uma voz específica e um ponto de vista específico, que será a narradora da história que escrevo. Como um ator que se prepara pra representar um personagem, eu me preparo pra representar um narrador.
O que você faz para distrair-se do trabalho da escrita?
Faço trabalhos de marcenaria, vejo futebol, bebo com amigos e desconhecidos, namoro. E vejo bobagem na internet. Mas, na realidade, como escrever não paga minhas contas, é a literatura que funciona pra mim como uma distração do mundo burocrático.
Qual plataforma ou editor de texto você utiliza para escrever? Por quê? E como organiza os arquivos?
Uso o OpenOffice do Linux. Gosto de software livre, são leves e fáceis de usar. Organizo os arquivos em pastas e, se for algo que vale a pena conservar, me mando por e-mail.
O que um escritor precisa para escrever?
Precisa ter necessidade, tanto mental quanto física. Tem que ser inevitável, natural mesmo, olhar o mundo e a vida de modo literário. A necessidade de fazer arte é algo que está nas tuas entranhas ou não está: se não estiver, é apenas vontade. O que é válido também. Mas a gente, enquanto leitor, nota a diferença entre quem escreve porque precisa e quem escreve porque quer. Daí que vem a ideia de arte pela arte: isso quer dizer fazer arte porque é simplesmente impossível não fazer. Arte pela arte não deve ser confundido com não querer contribuir com o mundo; pelo contrário: pra escrever é preciso responder o tempo todo pra si mesmo a pergunta: “pra que estou fazendo isso?” Não somos especiais em nenhuma situação; por que seríamos especiais ao escrever literatura? Então é preciso, pra escrever, saber responder: “o que há de diferente no que estou fazendo?” A arte literária é uma forma diferente de organizar a linguagem. Aí entram as técnicas. Pro artista, não tem muita graça fazer aquilo que pode ser encontrado facilmente em qualquer lugar. O artista sente a necessidade de chamar a atenção do resto do mundo para o modo como só ele vê as coisas; coisas que, muitas vezes, só ele vê. Por exemplo, uma maçã: em torno dela, já organizaram o discurso do pecado, do desejo, da fome, da memória, do veneno. A responsabilidade do artista é falar dela de uma forma diferente da que qualquer outra pessoa faria. Quando, na infância, a mãe diz pro filho “não faz arte!”, é porque a criança está subvertendo a banalidade, está inventando alguma brincadeira arriscada. A literatura de que eu gosto é uma brincadeira arriscada e só se arrisca quem tem necessidade; senão é onanismo, uma prática segura. O que também é válido, mas a gente nota a diferença entre um texto feito com o coração na mão e outro, feito com a cabeça em outro lugar. E tem a questão do talento também: tem que ter. Se fosse apenas questão de vontade, eu seria jogador de futebol, mas sou melhor escrevendo. Nem todo mundo precisa escrever literatura pra contribuir com a literatura. Existem várias outras funções necessárias pra que a literatura funcione: a crítica, a teoria, a edição, a publicidade. O trabalho de vocês do Literatura RS, por exemplo, é tri importante e exige uma dedicação e uma capacidade que pouca gente tem. Pra isso também é necessário talento.
Quais autores e autoras são os seus preferidos e quais livros vocês recomenda?
Da categoria narrativa (conto, romance), recomendo sempre os uruguaios e argentinos. A formação literária deles tem mais a ver com inquietação formal do que com inquietação identitária e social, que é o caso da tendência naturalista brasileira, que privilegia mais o conteúdo político (a Flora Süssekind tem um belo trabalho sobre isso, o livro Tal Brasil, qual romance?). Eu gosto bastante do uruguaio Juan José Morosoli, que escrevia a partir de um ponto de vista interiorano e explorava muito bem a forma falada na escrita dos diálogos. Era um baita contador de causos, daqueles bolicheiros que conhecem o mundo sem nunca precisar sair do próprio bairro. Em português brasileiro, acho que o melhor está na canção (Aldir Blanc), na poesia (João Cabral de Melo Neto) e na crônica: Ivan Lessa.
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