A boneca

Minha vó me contava uma história que era assim.

Tinha uma guria lá que tava enjoada de fingir que sabugo era boneca, que palha era roupinha e que pentelho de milho era cabelo de menina. Daí ela vivia pedindo pra mãe uma boneca de verdade.

A mãe, sem dinheiro, ameaçava:

— Cuidado com o que tu quer, guria!

Até que um dia, uma noite, teve um baile. A filha quis ir, a mãe não deixou. Daí a guria esperou todo mundo dormir e vupt pela janela. 

Chegou no baile, todos os garnizezinhos da roça queriam dançar com a mocinha. E ela só negaceando, que quem dança com garnizé, galinha é. Era o ditado. Só aceitou quando veio aquele alto, de bigodinho, corrente de prata, relógio de ouro.

— Gostou? Te dou — disse ele, sobre o relógio, sobre a corrente, sobre o pente que alisava o bigodinho — O que tu quiser, princesa. 

Aí ela pediu. E ele, num já:

— Pega aqui no meu bolso.

Bem assim. 

Do tamanho assim, com cabelo assim, de verdade, a boneca.

Voltou do baile, se enfiou na cama. A boneca dentro do travesseiro, bem escondida. 

Mas como dormir? 

Dormiu.

A mãe na manhã seguinte foi chamar a filha pro colégio. Acorda, preguiçosa, levanta… Só viu a poça de sangue quando chegou mais perto pra dar um tapão. 

Ao lado, com uns bracinhos pontiagudos cor de morcilha, a boneca olhava pro teto como quem não sabe de nada.

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