Casa na esquina. Venezianas desengonçadas, reboco descascado, forro esfarelado por cupins e telhas quebradas. Lona de caminhão para evitar o pior, por cima do teto. Remendos dispersos. Casaco de lã quadriculado vermelho, preto e amarelo. Mais amarelo. Fumava, o dono do sebo.
Os livros ficavam amontoados em si mesmos. Eram prateleiras de livros feitas de livros, colunas de livros intercaladas por livros. Paredes de livros que eram corredores de livros. Sacos plásticos pretos por cima deles. Alguém queria olhar os livros, tinha que pedir para tirar os sacos. O homem encarava com olhos caídos se a pessoa realmente achava que valia o esforço de tirar os sacos. Concordavam que não. Ficavam jogando sinuca.
No meio do sebo a mesa. Tapetinho verde rasgado, rodelas de cerveja velha rebrotando a levedura. Bocos feitos de sacola de supermercado, trocadas toda vez que alguma bola caía ali. Nas bordas de fórmica, queimaduras de cigarro. Os pés da mesa equilibrados na coleção Júlio Verne.
A fumaça era tão espessa que dava para escrever boleros no ar.
O homem abria quando acordava e fechava quando dormia. Oito da manhã já tinha clientes, que iam embora pelas duas. Sesta. Voltavam de novo às oito da noite. Iam de novo às duas da madrugada. O lixeiro passava, parava no sebo: meia hora de garrafas de pinga atiradas pra dentro da caçamba.
Ele tinha saído do Uruguai tarde demais. Não falava português e tinha esquecido a outra. Não se sabe como se sabe que ele era uruguaio. Ninguém nunca viu mate. Futebol ele olhava baixo. Um dia apareceu um violão e foi mandado embora a hijos de buena.
Mulher, nenhuma. Um colchão atrás das enciclopédias de capa dura. Torradeira elétrica. No banheiro, mangueira. A descarga não tinha o barbantinho. A mangueira era ligada na torneira que tinha que dar a volta por fora, na calçada, e cuidado cão bravo. Cheiros muito doces.
Um pila a pinga. Dois o Shakespeare da Martin Claret. Dois mil e sete, na Azenha.
As pessoas achavam que o negócio se chamava sebo por causa da cara do homem. O nome dele um dia alguém perguntou e espalhou pelo bairro: Gualter.