A festa secreta

Segunda-feira. Porto Alegre. Ia chover. O pseudônimo do Augusto me convidou pra ir numa festa secreta. Era um encontro numa casa fora do tempo, cheia de escritores mortos tocando jazz. 

Um porão. Um piano de parede. Bandeirinhas ianques e duas peles de raposa atrás da bateria. 

Jazz, leitoras e leitores. Tava lá a Ursula K. Le Guin cantando Summertime de um jeito que até o inverno teve vontade de antecipar o verão em Anarres. Depois ela cantou Cry me a river e o pseudônimo do Augusto, lembrando-se da infância, chorou entrerríos.

Tava lá também o Italo Calvino com o bom coração dele, improvisando alegre com o Truman Capote (interpretado pelo Philip Seymour Hoffman). Em vez do Horacio Oliveira, estava lá o próprio Julio Cortázar, gordo (esses escritores, depois que morrem, começam a passar bem e se acomodam). E o Luiz Vilela em certo momento tocou a própria cabeça.

Literatura, ouvintes e ouvintes! Para se ter uma ideia, o baterista era o bibliotecário Nestor, acompanhando todos os ritmos e estilos. Tinha o Ivan Lessa tocando piano solo, ele que sempre fora um cara mais vibrafone. O saxofonista era um iugoslavo, não sei escrever o nome. E o momento marcante em que o Truman Capote/Philip Seymour Hoffman cantou La barca, dançandinho num paraguaio perfeito… Minhas lágrimas eram tantas que tive que me enxugar na barra da saia da Gertrude Stein, enquanto ela cantava umas bossas candombeadas com o Onetti.

No contrabaixo, ninguém menos do que o Luiz Ruffato (e o pseudônimo do Augusto não pôde deixar de comentar o estilo fragmentado e cotidiano do – estamos em 2015 – grande ídolo nacional). Tava lá também o Antônio Xerxenesky num dueto undergrunge com o Joca Rainers Terron, e notei a presença de Jerry Seinfeld, rindo sozinho com seus mullets e representando, assim paradoxalmente, a briosa nação argentina.

Como se tratava de um momento histórico, depois do jazz veio o blues e depois do blues veio o rock’n’roll – aí aproveitei pra ir no pátio disfarçar minhas lágrimas entre as que caíam do céu. Recomposto, voltei ao porão, mas aí o Alan Moore começou a tocar Dia branco e não pude deixar de pensar na poeta que um veio pro que desse e viesse comigo.

Quando eu achava que meu peito já estava destroçado o suficiente, veio a anfitriã, a Dama do Jazz Universal, que foi amiga do Ernest Hemingway em Paris e sentou ao piano pra tocar tangos catárticos.

Até que a Régine Deforges pegou o microfone e disse que tinha acabado, tchau, nos vemos na próxima festa secreta que só o pseudônimo do Augusto saberá quando vai ser.

Saímos do porão e entramos na realidade funk da metrópole. Mas pelo menos eu tinha um amigo.

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