O buraco de Caxias

Existe um buraco em Caxias do Sul. Maior do que este que sentimos nas tardes de domingo, quando nos despedimos da amada e temos que trabalhar na manhã seguinte. Maior até do que aquele que vem na frase “Caxias é um buraco”, dita por quem compara as aspirações culturais deste município com as de Londres, ou mesmo Porto Alegre.

O buraco a que me refiro tem a ver com a história desta terra antes, durante e depois da colonização europeia. É um buraco de interesse arqueológico, antropológico. Fica na Água Azul, em Santa Lúcia do Piaí. 

Taí uma pista: Piaí. Um eco indígena em meios itálicos. É um dos rios que formam o Caí. Tudo indígena esses rios. Tudo indígena na América. Todos os imigrantes beberam dessas águas. 

Segundo Nelson França Furtado, no livro Vocábulos indígenas na geografia do Rio Grande do Sul, “piaí” é uma forma reduzida de “apiahy”, que vem de “apyaba” (homem, macho) e “y” (água, rio). Portanto, é o rio dos homens. Mas também ecoa “pyá”, que significa entranhas, coração. Isso em tupi ou guarani. Suponho que os kaingang e os xokleng, habitantes originários da região, tenham também suas denominações para o rio. Se alguém aí souber, me avisa. 

O buraco está na atual propriedade dos Vergani. Hoje, tem uns cinco metros de fundura, porque a terra vai se preenchendo, as árvores vão nascendo dentro e os tatus cavam, por sua vez, novos buracos no buraco. Antigamente, devia ter uns quinze metros de profundidade e uns cinco de diâmetro. O povo armava por cima uma estrutura de madeira, botava telhado. Dava pra fazer fogo no fundo. 

O buraco era uma verdadeira casa. Os ancestrais dos xokleng e dos kaingang eram ótimos arquitetos. Imagino os construtores originários num fim de tarde, mil anos atrás, fogo aceso contra a cerração, comendo pinhão, discutindo se deviam partir para um lugar menos hostil do que a serra. 

Embora eles tivessem coisas mais interessantes para conversar, suponho com minha mente de fóg, branco como a neblina. Mas eu gostaria de estar lá no momento para escutar a resposta a essa questão que, num fim de tarde que nem hoje, ecoa no meu “pyá”, no buraco do meu peito. 

Agradeço à Mônica que, no domingo, em vez de me chamar pra tomar cerveja em posto de gasolina, onde o vazio só seria ampliado, me convida pra visitar buracos que preenchem o que trago em mim.

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