Se eu te conto você não me acredita. O Glênio, chamaram ele e disseram: duvido que tu vá caçar gralha no pinheiral. E ele: ah é? Que era pior que criança. Pro Glênio fazer alguma coisa tinha que dizer: duvido que tu faça.
Primeiro ele disse: vou de menhẽ. Que na Vacaria quer dizer vou de manhã. É o sotaque. Depois ele meio que se entreteu com a vida e, quando viu, era meio-dia. Aí não dava. Arara colorida, corvo azul ou gralha, pra pegar, só cedinho da manhã ou da noite, quando elas pousam nas árvores.
Só lá pelas quatro da tarde o Glênio pegou o saco, a corda e foi. Achou um pinheiro lá que não dava de abracar, que é assim mesmo, abracar. É o sotaque. Um termo técnico. Quer dizer que não dá pra fazer a volta na árvore com os braços. Então bem dizer abraçar também não dava, no caso. Daí ele laçou o pinheiro e foi subindo, que nem se faz: a corda presa nas mãos e os pés garrando no tronco.
Lá no alto, um buraco de nó de pinho. Diz ele: deve de ser o ninho da gralha. E mete o braço dentro. Nada. Mete o outro. Nada. E foi entrando com a cabeça, o peito, a pança, quando vê o Glênio véio entrou inteiro e resbalou lá pro fundo.
Não sei se o amigo já entrou num pinheiro, mas era uma senhora duma árvore. O Glênio lá dentro ele dava uns pulos e nada de alcançar a porta pra sair de volta. Olhava pra cima e só via aquela boca azulada que dava pro céu. E era liso. Diz ele: tô no cerno da árvore. Toc-toc, tem alguém aí fora? Não gritou porque ia ficar surdo, era que nem gritar em caixa d’água, um eco de doer no ouvido, não sei se você já gritou.
Ai ai, diz que ele pensou. Foi arapuca que me armaram, essa gurizada. Amanhã derrubam o pinheiro, vem a polícia ambiental, me acham. Se preparou pra passar a noite. Pelo menos não é ninho de cobra, pensou o Glênio. Aí, quando que ele olhou de novo pra abertura lá em cima, ele viu aquelas duas tochas.
É as estrelas? Se fosse. Estrela não baba na tua cara quando te olha de cima.
Um jaguar, diz o Glênio, que ele era meio índio, eles chamam assim. Uma onça, um tigre, um leão baio babando na cara dele.
E vem a bicha véia, descendo pela parede. Aquela bocona, os dentes que eram quatro garrafas quando que o cara quebra pra brigar em bolicho. Chegou na metade, a onça decidiu se virar de ré, decerto com medo de ficar entalada. Aí o Glênio véio, num raio de gênio: é minha chance, diz ele. Se agarrou no rabo da onça e foi aquele berreiro pinheiro afora.
Não sei se tu já puxou rabo de gato, de onça é a mesma coisa. Aquilo acionou as garras contra a árvore e subiu num ódio só lá pra cima. Chegava a sair faísca. Coisa mais linda, diz ele.
Na porta, no fim, o jaguar nem quis saber da carne doce e voou pro mato. E o Glênio lá, pensando que gralha que nada, eu vou é pra casa comer aipim.