Meu tocaio Paulo Marmentini estava lendo A lenda do corpo e da cabeça, onde se explica a origem de nomes como Tristeza, pro bairro, e Dilúvio, pro arroio, e me pediu pra fazer algo assim sobre os topônimos da serra.
Ele é da serra, o Marmentini, somos. É professor de história, se interessa pelas coisas locais, tem mestrado sobre aquele movimento político italiano de 100 anos atrás, que taí, se bobear. Então vim aqui, com todo o respeito, fazer uma espécie de toponímia serrana.
Tem a Criúva, por exemplo, que tem esse nome por causa da árvore. Um troço torto, a criúva, parece um sobrevivente de bomba atômica ou vulcão, tudo retorcida, a criúva, pode derrubar. Planta ogalito, que pelo menos depois tu vende pra serraria ali na Mulada.
Que aliás é outro nome curioso: vem de mula, bando de mula, a mulada, embora os alemão da zona vão ali achando que se trata de oudra goisa – e acabam levando uns coices.
Daí tem a Forqueta, que vem da palavra garfo, em italiano. Simboliza o entroncamento, uma encruzilhada, uma forquilha. É um ponto pra quem vem, pra quem vai, e sobretudo pra quem fica no meio do caminho. Tá chegando de Porto Alegre? Tá naquele engarrafamento? É que algum esganado (Caxias, digamos) acaba de meter o garfo na própria goela.
Ali perto, por sinal, tem o Mato Perso, ou Louco Perdido, na língua de Paulo Coelho, já que tamos num dia páulico.
O causo é que, na época da divisão dos lotes, os portugueses, já viu tudo, calculando os terrenos serranos, esqueceram de mapear aquele pedaço de terra ali. Só que um colono, numa noite de caça-tatu, acabou indo parar lá, com vista pro rio das Antas e tudo.
Como voltar? Não voltou.
Foi achado meses depois totalmente pirado, vivendo em compadrio com um grupo de bugios, ou bugres, ninguém entendeu, nem deram bola: mais urgente era dividir aqueles lotes ali, plantar uva, milho, criar porco, porco can.
O que me lembra do melhor toponímico de todos: viva o arroio Porco Morto!
Que no começo era um porco mesmo, vivo. Ele vivia ali, no Lajeado Grande, naquela canhada que era seca, muito seca. Só que de longe, se tu olhava, de longe parecia que tinha água, pois era pura pedra, de longe a pedra é que nem água. As pessoas viam aquilo, uma miragem, bem dizer, e vinham vindo, pensando na sede. Só que chegavam e quedêle?
Daí o porco, morava ali um porco, ele cansou de ver as pessoas decepcionadas. As pessoas viam o porco, quedêle a água?, diziam, com raiva. O porco encheu o saco de explicar que cascalho não era cascata e disse tá, quer saber?, vou resolver eu mesmo esse malentendido.
E cortou a própria carne, em sacrifício.
E então o sangue fez-se sanga.
Arroio Porco Morto, muito prazer.