Quando eu li o título da charla que teríamos, com a Claudia Tajes e o Luís Augusto Fischer (Novelas de Porto Alegre, a charla, na Livraria Paralelo 30), pensei que bá, se tem um gênero literário que combina com Porto Alegre é a novela.
A rapidez, a intensidade, a leveza que uma novela, um romance curto, um conto longo, essa indefinição mesmo, a própria dificuldade de qualificar a importância desse gênero (sem falar na ambiguidade de ecoar, também, novela de tv), a novela é como Porto Alegre: uma cidade que é pequena e grande, ligeira e densa, percorrível e esgualepante numa tarde.
Tem uma tradição, acho. Penso nos Ratos, do Dyonélio Machado, que mostra essa rotina no mapa urbano, humano, a angústia, a pobreza, a modernidade afoita que Porto Alegre queria ser, cem anos atrás, e que continua querendo, afoita porque essa modernidade é só um desejo que não vai, não vem.
Depois tem as novelas do Erico Verissimo, Clarissa, O resto é silêncio, que mostram esse espanto da transição, digamos, de uma calmaria pra agitação, e do indivíduo pra multidão. Um clima de bairro que foi vazado pela metrópole, crianças atropeladas por bondes, pessoas se atirando de edifícios, os elementos rurais vão virando fantasmas, como já no Dyonélio: pensa só, o cara dos Ratos tinha medo do homem que entregava leite de casa em casa.
Depois o Moacyr Scliar, aquela coisa meio enclave absurdo, o Exército de um homem só, humorismo mágico que faz parte do tom porto-alegrense e que se gera, pode testar, naturalmente caso tu passe um dia prestando atenção no que te acontece nessa cidade.
Vou parar no Faraco, o Sergio, que traz o íntimo do interior, da fronteira, os contrabandos, a vontade sujamericana: num trem, evidentemente noturno, naquela novela chamada Dançar tango em Porto Alegre. Ali sim, tu lê aquilo e pensa: bá, também quero Porto Alegre.
Falo desses porque foram minha formação. Eu, leitor mirim, quis escrever literatura porque eu lia essas novelas de Porto Alegre. Na minha cidade, bá, quando eu conseguia encontrar um livro do Scliar, do Faraco, pra mim era tudo, que nem essas conversas de ancião que ia pra escola a pé sete quilômetros, o chinelo na mão pra não estragar, atravessando não sei quantas sangas e potreiros, é por aí.
Quando uma guria, eu adolescente, aquela coisa, tu gosta de ler?, eu falei que gostava muito do Scliar, do Faraco, ela chegou a cuspir, de tanto rir. Sério?, ela disse, tu ainda tá nessas?
É que ela lia Kafka, Hemingway, eu nunca tinha ouvido falar. Daí sim, ela me emprestou, achei legal: o Kafka parecia o Scliar, o Hemingway prefiro o Faraco.
Novelas porto-alegrenses, ainda tô nessas.